sábado, 8 de março de 2014

Assombrosa fragilidade!





É neste espaço virtual que propus exteriorizar uma parte das descobertas e inquietudes que preenchem meu pensamento. Hoje, 08 de março de 2014 comemoro particularmente dois anos da primeira publicação. Neste dia especialmente dedicado às mulheres elegi o amor como trama para um post. Para os trovadores, o mal de amor. Esse amor ávido que demanda consumir. Como bem sabido, contextos quando tratados por especialistas ganham contornos mais densos e provocantes. Mas em reflexão acerca dos vetores que proporcionam a especialização alcancei um pensamento buliçoso. Acaso tanto quanto o excesso, a carência também seria um vetor para transformarmos-nos em especialistas sobre determinados assuntos?

Pois de tempos em tempos dedico-me a refletir sobre a função do sentimento de amor em nossas vidas. Imagino carregar a inquietação que está inerente à procura. Ainda com o pensamento cheios de nós, longe do conforto desejado aprendi a conviver com as modestas descobertas que a idade e experiências me permitem. Sempre repleta de perguntas, não estaria diferente nesta empreita, acaso a ausência do compartilhamento de sentimentos íntimos e privados representaria alguma ameaça à saúde? Pois de acordo com uma publicação da Revista Science (1987) sim. A sensação de isolamento representa um fator de risco de mortalidade, assim como o fumo, a obesidade, o colesterol e a pressão alta. Um estudo sueco realizado na cidade de Gotemburgo e publicado em 1993 comprovou o poder curativo de laços estreitos. Como bem observado por diferentes autores nenhum amor humano é desprovido de cobiça, pois agora passaria à vacina?

Sob a ótica do psicanalista, sociólogo e filósofo alemão, Erich Fromm: “O amor é a única resposta sadia e satisfatória para o problema da existência humana”.  E enquanto arte, ele exige trabalho, prática e concentração, além de maturidade, desenvolvimento de personalidade, capacidade de amar ao próximo, humildade, coragem, fé e disciplina.

Em viagem pelo tempo visitei O Banquete de Platão, uma série de discursos sobre a natureza do amor.  Originalmente proposto em defesa da filosofia contra as acusações da Cidade, ainda hoje ampara pesquisas recentes sobre o tema. Nos diálogos travados por volta de 380 a.C, Aristófanes em seu discurso nos levou ao sonho da fusão através do mito “dos andróginos”: amantes que buscam o seu contrário com o objetivo de se fundirem num só corpo. O que Lucrécio em sua descrição do amplexo amoroso implodiu por inteiro: “(...) apertam avidamente o corpo da sua amante, misturam sua saliva à dela, respiram seu hálito, dentes colados contra a sua boca, vão esforços já que nada podem roubar do corpo que abraçam, tampouco penetrá-lo e nele se fundirem inteiros. Porque é isso que por momentos parecem fazer”. Após segundos onde os amantes pareciam ser um só, lá estão mais dois do que nunca. Post coitum omne animal triste est, de volta à solidão e entregue ao vazio do desejo extinguido, Comte-Sponville (1995).

Ainda à 'mesa' do Banquete, Fedro em sua retórica descreveu um amor insaciável e inquieto com o que ama. Sempre necessitando do seu objeto, o dilacera, tortura e o aprisiona. Também o mito narrado por Diotima de Mantineia a Sócrates: a dialética ascendente, não poderia ausentar-se dessa proposta de reflexão. Uma espécie de ascensão espiritual através do amor: todo amor é amor a alguma coisa, que ele deseja e que lhe falta. O amor apaziguado, salvo pela religião na transcendência pela fé. Estaria aí o desejo abolido por sua satisfação? A fim de rematar minha visita ao Banquete concluo - não se deseja o que a falta ignora, assim escreve Platão: “Ama aquilo que lhe falta e que não possui”. E Sócrates bate o martelo: “o que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor”. Eros se entendia quando tem o que já não lhe falta, Comte-Sponville (1995).

Seria nesta perspectiva que a ambição pelo futuro se alimenta da sua ausência? Já em Spinoza, o filósofo holandês considerado fundador do criticismo bíblico moderno me deparei com o desejo enquanto potência e não como falta. Sob a lógica de que toda falta quer possuir. “O amor como uma alegria que a ideia de uma causa externa acompanha”. Sentir-se feliz com a ideia de que o outro existe.

Já para o intelectual contemporâneo, o polonês Zygmunt Bauman, sociólogo dos mais respeitados na atualidade, lamentavelmente vivemos em 'tempos líquidos'. Nos seus livros, a Modernidade Líquida e Amor Líquido o autor discute o simbolismo que permeia a vida moderna onde nada é sólido e tampouco feito para durar. A mercê da praticidade, desfrutamos de tudo aquilo que se encontra em prateleiras, incluindo as pessoas. Não serviu? Troca. Simples assim. É neste contexto miserável que noites avulsas de sexo ganharam status de fazer amor sem qualquer cerimônia.  


"O amor quer o outro ser e o quer na forma de libido, Eros, Philia ou Ágape. Quer o próprio prazer através do outro ser, mas não quer o outro ser. Esse é o contraste entre libido como amor e libido como concupiscência", Paul Tillich. Ainda em relação ao sexo, o que é frequentemente motivos de grandes (des)ilusões, com todo respeito à obra Freudiana e a ideia de que o amor nasce da sexualidade, tal como Comte-Sponville não acredito que ele (o amor) possa se reduzir a ela. Ao final encerro esta estreita marcha sobre as vertentes do amor tão ignorante quanto antes da arrancada. Tão diferentes olhares, valores e simbolismos nada puderam fazer para abrandar minha inquietude. “Pensar sua excelência é pensar nossas insuficiências ou nossa miséria”, Comte-Sponville (1995). A pergunta inicial sobre a possibilidade de especialização como reflexo do excesso ou da escassez, nem de longe encontrou resposta. Por se tratar de um fenômeno, para mim ainda recoberto por imagens e simbolismos permanecerei na lacuna da renúncia. Todavia, perante a complexidade do assunto exteriorizar aquilo que torna buliçoso nossos humores também pode representar a ampliação do olhar acerca do poder simbólico das nossas relações, esperanças e temores.