domingo, 16 de junho de 2013

Mais contemporâneo do que nunca

                                        Lasar Segall, Mãe Morta (1940)


“Esse rapaz que em Deodoro quis matar a ex-noiva e suicidou-se em seguida, é um sintoma da revivescência de um sentimento que parecia ter morrido no coração dos homens: o domínio sobre a mulher, quand même (ainda que, apesar de tudo). Não há muito tempo, em dias de carnaval, um rapaz atirou sobre a ex-noiva, lá pelas bandas do Estácio, matando-se em seguida [...] Todos esses senhores parece que não sabem o que é a vontade dos outros. Eles se julgam com o direito de impor o seu amor o seu desejo a quem não os quer [...]

Tais narrativas nos remetem as tragédias diariamente exibidas próximo à sessão de Esportes no jornal do dia. Contudo, o enunciado tão somente expõe trechos da crônica intitulada Não As Matem, publicada em 1915 pelo escritor Lima Barreto. Aproximadamente um século após sua publicação, alguns ignorantes insistem em exigir a custódia de um amor sob a mira do revolver, ameaças e espancamentos. Desta maneira mulheres, mães e filhas seguem perdendo não só a liberdade, mas o bem mais valioso que possuem, a própria vida. À sombra de uma espécie de tentativa de latrocínio sentimental, alguns marginais intentam roubar até mesmo sentimento. Em havendo frustração, a vítima acaba assassinada e o ladrão fugindo sem levar o objeto desejado. O corpo, agora ensanguentado e abatido fica pelo chão. Assim, criminosos seguem a surrupiar vidas e a cessar histórias com a empáfia dos tiranos. Sem embargos, não há Lei Maria da Penha que dê jeito na conservação das estatísticas de crimes contra a mulher. Nada obstante, certas vítimas chegam a colecionar boletins de ocorrência contra seus algozes. Ignoradas por um Estado mais padrasto do que pai, acabam assassinadas sob o olhar da justiça, que apropriadamente se faz representar por uma imagem com os olhos vendados. Quando, e se julgados, em magros anos estes criminosos voltam a dividir a fila do supermercado com cidadãs em pleno gozo da saúde emocional. Daí a minha inquietação, acaso a vivência do Século XXI conservará as mesmas crueldades vividas por algumas mulheres no século passado? Até quando prosseguiremos (com) vivendo com criaturas tão cheias de si e de barbaridades?
                                                                  

Referência:
BARRETO, Lima. Crônicas Escolhidas. Folha de São Paulo (1995).