quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Exercícios do sensível...



                                                                


Em meio a provocações que abraçam nosso cotidiano danei a pensar na aridez do meu próprio deserto. A proximidade dos festejos natalinos segue obstinada na publicação de ausências, que por vezes carregamos dissimuladamente pela vida afora.   
Assim como Macabea, a intrigante personagem criada pela escritora Clarice Lispector, habitualmente quero saber o que se esconde por trás das palavras.  A saber, entre tantas outras, a palavra saudade nomeadamente me chamou a atenção.   
A etimologia da palavra saudade aponta sua raiz na palavra latina solitatem. A expressão retrata uma mistura de sentimentos como tristeza e esperança. Tristeza pela ausência de uma pessoa, de um país, daquilo que se está distante e privado, no entanto, com resguardo da esperança de ainda revê-los.
Na língua árabe, as expressões saiad, saudá e suaidá, além de “sugerir” a palavra saudade têm sentido de profunda tristeza, “do sangue pisado e preto dentro do coração”.
Já no poema dramático, O Marinheiro, escrito em 1913 por Fernando Pessoa, a palavra saudade apresenta-se de maneira natural quando uma das personagens, a Segunda Veladora, declara que “só o mar das outras terras é que é belo. Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...”.
A saudade assim refere-se a um sentimento investido num evento ainda não atualizado. O atual, que se contrapõe ao subjetivo. Do atual não sentimos saudade, pois não há ausência, não nos acena como possibilidade, é aqui e agora. Não há sangue para ser (re)pisado dentro do coração.
Ao sentir pesar pela falta de pessoas, ou daquilo que nos encontramos privados acabamos sustentando o desejo de novamente as tornar a possuir. Logo, a saudade vista como algo subjetivo, mas, que se inviabiliza em potência ao tornar concreto nosso desejo. 
A bem da verdade ambiciono construir minha própria Hiperbórea, de sol resplandecente e felicidade intocável, mesmo com alicerces feitos de nuvens. É com este combustível, que sustento o sonho do (re)encontro com a madrinha Leopoldina, avó Maria e tantos outros personagens da minha história. Estas saudades em destaque, a saber, carrego com máxima esperança no natal e em todos os outros dias do ano.
Muitos falam que a palavra saudade não possui “sentido” em determinadas línguas e culturas. O que acredito ser pouco provável. O que não há é conhecimento, porque, decerto deve haver outras maneiras de sentir e noticiar o sangue pisado e preto, que por ocasiões parecemos carregar dentro do coração.



ALMEIDA, R. C. de. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Brasília: Valci Editora LTDA, 1980.
BUENO, F. da S. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo: Ed. Brasília LTDA, 1974.
PESSOA, F. O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.