quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Exercícios do sensível...



                                                                


Em meio a provocações que abraçam nosso cotidiano danei a pensar na aridez do meu próprio deserto. A proximidade dos festejos natalinos segue obstinada na publicação de ausências, que por vezes carregamos dissimuladamente pela vida afora.   
Assim como Macabea, a intrigante personagem criada pela escritora Clarice Lispector, habitualmente quero saber o que se esconde por trás das palavras.  A saber, entre tantas outras, a palavra saudade nomeadamente me chamou a atenção.   
A etimologia da palavra saudade aponta sua raiz na palavra latina solitatem. A expressão retrata uma mistura de sentimentos como tristeza e esperança. Tristeza pela ausência de uma pessoa, de um país, daquilo que se está distante e privado, no entanto, com resguardo da esperança de ainda revê-los.
Na língua árabe, as expressões saiad, saudá e suaidá, além de “sugerir” a palavra saudade têm sentido de profunda tristeza, “do sangue pisado e preto dentro do coração”.
Já no poema dramático, O Marinheiro, escrito em 1913 por Fernando Pessoa, a palavra saudade apresenta-se de maneira natural quando uma das personagens, a Segunda Veladora, declara que “só o mar das outras terras é que é belo. Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...”.
A saudade assim refere-se a um sentimento investido num evento ainda não atualizado. O atual, que se contrapõe ao subjetivo. Do atual não sentimos saudade, pois não há ausência, não nos acena como possibilidade, é aqui e agora. Não há sangue para ser (re)pisado dentro do coração.
Ao sentir pesar pela falta de pessoas, ou daquilo que nos encontramos privados acabamos sustentando o desejo de novamente as tornar a possuir. Logo, a saudade vista como algo subjetivo, mas, que se inviabiliza em potência ao tornar concreto nosso desejo. 
A bem da verdade ambiciono construir minha própria Hiperbórea, de sol resplandecente e felicidade intocável, mesmo com alicerces feitos de nuvens. É com este combustível, que sustento o sonho do (re)encontro com a madrinha Leopoldina, avó Maria e tantos outros personagens da minha história. Estas saudades em destaque, a saber, carrego com máxima esperança no natal e em todos os outros dias do ano.
Muitos falam que a palavra saudade não possui “sentido” em determinadas línguas e culturas. O que acredito ser pouco provável. O que não há é conhecimento, porque, decerto deve haver outras maneiras de sentir e noticiar o sangue pisado e preto, que por ocasiões parecemos carregar dentro do coração.



ALMEIDA, R. C. de. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Brasília: Valci Editora LTDA, 1980.
BUENO, F. da S. Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo: Ed. Brasília LTDA, 1974.
PESSOA, F. O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

sábado, 6 de outubro de 2012

Façamos valer a pena!







Durante a semana corrente li e (re)li uma diversidade de textos com estampas de “alertas” para a seriedade contida na participação do eleitor no exercício democrático, conforme ocorrerá amanhã nos mais de 8560 municípios do território brasileiro. Já dizia um título póstumo, o herói é suspeito de ter buscado a glória ou fugido do remorso. Ao ultrapassar os interesses particulares, tais narrações alcançam a importância do objeto nelas contido, a conscientização do voto. Atos de coragem egoísta é egoísmo. A partir de uma reflexão salutar e oportuna, pretendo disparar uma análise da justa distância que nos separa das próximas eleições municipais; previstas para o primeiro domingo de outubro de 2016. Até lá, as comunidades viverão sob a “guarda” dos representantes eleitos pelas unanimidades que amanhã irão às urnas. Nesse complexo e delicado contexto torna-se oportuno discernir o que é ético do que é estético. Ao refletir sobre as características que definirão soberanas escolhas, ponderar sobre os impulsos irracionais que compõem as faculdades humanas, especialmente mediante à aflorados apetites e afetos poderá nos garantir melhores quadros na memória do futuro. Não seria a prudência o mais adequado intervalo entre a ação e o impulso? Como uma das quatro virtudes cardeais, algo comum ao período da Idade Média, a prudência por Comte-Sponville denota o desejo entre o lúcido e o razoável. E isto sim, pode nos conduzir as decisões mais conscientes. A escolha de um bom governo perpassa sobretudo, por uma análise lúcida e real dos argumentos utilizados como proposta para a gestão da comunidade em disputa. É de conhecimento quase orgânico em nossa espécie, as virtudes necessárias ao reconhecimento de uma boa liderança. Em especial, entre elas aponto a virtude da justiça. Em Platão lemos por justiça: o que reserva a cada um sua parte, seu lugar, sua função com fim na preservação da harmonia do conjunto. Respeito à igualdade de direitos e deveres. Como por exemplo, o direito de vivenciarmos uma comunidade onde os serviços públicos funcionem adequadamente, ou o mais próximo disso. O que se torna estrondoso desafio ao avaliarmos os desajustes e as misérias já cristalizados pelo sistema. Neste cenário, o tempo representa um fator preponderante nos meandros do Estado burocrático. Retroceder ou ainda, paralisar o que já está em andamento pode gerar perdas imensuráveis na resolutividade de demandas que se arrastam por décadas. A conquista do real impõe seus obstáculos, desafios e deslizes. Que possamos levar tudo isso em conta nas reflexões que proponho, sob a luz da prudência perante as urnas. A temperança foi apontada por Aristóteles como a cumeada entre os abismos da intemperança e da insensibilidade. Nestas eleições municipais, ficaremos com a polidez insultante dos grandes ou a obsequiosa dos pequenos? Passados exatos 223 anos de um importante marco na História Moderna da nossa civilização convido os cidadãos brasileiros, sobretudo, os divinopolitanos a honrar a autonomia e o respeito aos direitos sociais, conquistas da Revolução Francesa de 1789. Pelo presente e pelo futuro de nossas gerações votemos com autonomia e consciência neste decisivo sete de outubro.


COMTE-SPONVILLE, André - Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Lisboa : Ed. Presença, 1995. 


domingo, 22 de julho de 2012

O tempo passa e com ele nós também!





Ultimamente ando incomodada com a descoberta que o tempo passa e com ele nós também. Uma variedade de momentos e personagens vão se somando à medida que escrevemos nossas histórias. E assim, uma coleção de idades vai se constituindo em nós sem qualquer possibilidade de intromissão. Esse ritmo (des)controlado impõe certo automatismo em nossas vivências cotidianas, já sustentadas por maliciosa rotina, e, sem perceber boa parte de algo tão precioso como o tempo é desperdiçado com demandas inúteis. De tal modo, acabamos por perpetuar em nós questionamentos pra lá de inférteis. Em recente leitura sobre a sabedoria e os seus mistérios, em Melo (2011) me deparei com a proposta de usar lentes de simplicidade ao olhar para a vida. Nesta direção, o autor narra a simplicidade com que o João-de-barro cumpre seu destino. O pássaro veio ao mundo com uma habilidade natural para construir casas e não desperdiça seu tempo com outros propósitos. Igualmente como os girassóis, que nada mais fazem a não ser virar seu caule em busca da luz solar. Desde então, fantasio o milagre de dormir com a um par de retinas¹ e acordar com outro novinho em folha. A complexidade cansa. Não obstante, aceitar simplesmente a existência do Sagrado requer maiores doses de coragem do que questioná-lo. Há mistérios e perguntas que certamente perpetuarão sobre a imensidão de inquietações que nos habitam. E, ao aceitar este paradigma acerca do Sagrado, talvez diminua a distancia de pelo menos uma légua entre a cegueira e as luzes. Às vezes penso que o olhar da sabedoria é exclusividade dos especialistas em colecionar idades. Não raro nos deparamos com simpáticas Senhoras e Senhores que levam a vida de forma simples e sem grandes urgências. Muitos deles não leram um único livro durante toda a existência, mas apesar disso trazem estampado na face o que vale a pena saber da vida. Seguramente seria mais confortável apenas contemplar a paisagem enquanto caminhamos. No entanto, nossas viciadas visões, ora tão complexas, ora tão complexadas, acabam por sorver aos goles grande parte do tempo. Absolutamente, há coisas que eu gostaria apenas de observar desvestida da pretensão de entender.



¹ Retina: A mais interior das membranas do globo ocular em que se formam as imagens.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Nostalgia dos tempos em que bigode estava em alta







Em lembranças de um tempo não muito distante, o homem para manter sua honra imaculada precisava cumprir com a palavra empenhada. Nesta época, um único fio do bigode servia como garantia do cumprimento de pactos importantes. A expressão “fio do bigode” simulava o acordo firmado entre cavalheiros, sem assinatura de documentos ou qualquer outro ritual burocrático. Se acaso uma das partes se negasse a cumprir com o combinado, o fio do bigode do sujeito confirmava o (des)acordo como também identificava o malfeitor. Frei Bernardino Leers, ao propor uma profunda reflexão sobre o tal “jeitinho brasileiro”, algo intrínseco a nossa cultura, possivelmente percebeu a dualidade de propósitos entre ambos os conceitos. De um lado, “o fio do bigode” que representa a capacidade de pautarmos nossas atitudes por valores éticos como honestidade, integridade, lealdade, respeito e outros mais. Por outro lado, o “jeitinho brasileiro” acaba por eleger a vantagem como algo de importância maior. E assim, ora ou outra, nos deparamos com situações que se esgotam nesta encruzilhada de resultados tão distintos, a manutenção de uma reputação impoluta, ou a conquista de apropriada vantagem. Já nas esquinas dos nossos relacionamentos, lidamos constantemente com palavras proclamadas sem a real preocupação a respeito dos significados que carregam. A maioria das pessoas ignoram a miséria causada pelo desamparo aos seus pronunciamentos, o que acaba por ressignificá-las, à luz dos olhos de quem as enxergam. E a cada dia que passa se torna mais incomum a convivência com os tais sujeitos de “bigodes”. Desejo que nossos filhos e netos possam ouvir mais histórias sobre o Visconde de Mauá¹, homem que em grande parte de sua vida dividiu-se entre as atividades de industrial e banqueiro, contudo, morrera pobre aos setenta e seis anos de idade, com a sua moral ilibada.



¹Irineu Evangelista de Sousa nasceu em Arroio Grande, então distrito do município de Jaguarão RS, em 28 de dezembro de 1813. Órfão de pai viajou para o Rio de Janeiro RJ em companhia de um tio, capitão da marinha mercante. Aos 11 anos empregou-se como balconista de uma loja de tecidos. Em 1830 passou a trabalhar na firma importadora de Ricardo Carruthers, que lhe ensinou inglês, contabilidade e a arte de comerciar. Aos 23 anos tornou-se gerente e logo depois sócio da firma. Em 1845, Irineu tomou sozinho a frente do ousado empreendimento de construir os estaleiros da Companhia Ponta da Areia, com que iniciou a indústria naval brasileira. Devem-se a Mauá a iluminação a gás da cidade do Rio de Janeiro (1851), a primeira estrada de ferro, da Raiz da Serra à cidade de Petrópolis RJ (1854), o assentamento do cabo submarino (1874) e muitas outras iniciativas. Em 1875, viu-se obrigado a pedir moratória, a que se seguiu longa demanda judicial, derradeiro capítulo da biografia de grande empreendedor. Doente, minado pelo diabetes, só descansou depois de pagar todas as dívidas. Ao longo da vida recebeu os títulos de barão (1854) e visconde com grandeza (1874) de Mauá. O Visconde de Mauá morreu em Petrópolis-RJ, no dia 21 de outubro de 1889, ao lado da viúva e um, dos dezoito filhos que teve.


sábado, 14 de abril de 2012

“Mais grave! Mais agudo! Mais eco! Mais retorno! Mais tudo”!






Em meio às ladeiras da Tijuca no Rio de Janeiro,  aos vinte e oito dias do mês de setembro de 1942 nascia o “síndico” do Brasil, um simpático gordinho batizado pelo Senhor Altivo e Dona Maria Imaculada por Sebastião Rodrigues Maia. Vale Tudo: o som e a fúria de Tim Maia, uma biografia lançada em 2007 pelo jornalista e produtor musical Nelson Motta. Por meio de uma agradável narração, Motta expõe com maestria a vida turbulenta e a brilhante carreira deste tijucano que agregou o funk e o soul aos ritmos brasileiros. Um dos primeiros músicos do país a ter sua própria gravadora e comando total da carreira, Tim Maia constantemente se via em meio a brigas judiciais com credores, empresários, músicos e gravadoras. Como não tinha “papas na língua”, pelo bem e pelo mal acabava por agravar situações naturalmente difíceis. Aos doze anos de idade, ainda como Tião conheceu Jorge Ben sob o apelido de Babulina, ensinou Erasmo Carlos tocar violão e em certa feita terminou uma tarde de ensaios do seu grupo musical, Os Sputniks com gritos de “tu não canta porra nenhuma”. E assim, aos berros, "um rapazinho magrelo de cabelos crespos e olhos tristes" chamado Roberto Carlos saiu do ensaio e do grupo de Tião sem dizer uma palavra. Pouco tempo depois Carlos Imperial, o principal divulgador do rock-and-roll no Rio de Janeiro recomendaria a Tião que adotasse o nome artístico Tim. Em 1959, após a morte do pai, aos dezesseis anos de idade e com doze dólares no bolso ele embarcou para Nova York e após cinco anos, muitas garrafas, incontáveis baseados e cinco prisões foi deportado para o Brasil. De volta e depois de amargar maus momentos até o reconhecimento do seu talento, Tim criou a Seroma Edições Musicais e o slogan: “A única que paga aos sábados, domingos e feriados depois das 21 horas”. Interprete de sucessos memoráveis como: Primavera, Vale Tudo, Me dê Motivo, Sossego, Do Leme ao Pontal, Descobridor dos Sete Mares e tantos outros, Tim Maia se consagrou como um dos artistas mais talentosos do cenário musical brasileiro. Dono de um “corpanzil” de respeito, réu confesso praticante de “triátlon” e exímio degustador de “bauretes”, Tim Maia viveu intensamente e queria sempre mais tudo. Os excessos lhe adiantaram a partida e aos 55 anos de vida, numa tarde de domingo em março de 1998 parava de bater o coração do gordinho mais doidão e simpático da Tijuca. E eu, após ter acesso a forma autentica que Sebastião Rodrigues Maia escolheu para escrever sua história tornei-me post mortem.


Referência: 
MOTTA, Nelson, Vale Tudo: o som e a fúria de Tim Maia - Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. 


domingo, 25 de março de 2012

Vísceras posto à vista pelo Cântico Negro





Cântico Negro
José Régio


"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.

sábado, 24 de março de 2012

Rainhas e Ratazanas



À medida em que se vive o ser humano adota distintos significados e objetivos na vida. Ao sair em busca da sensação de completude, do êxito que premiará singulares desafios criamos roteiros desiguais para escrever nossas histórias. Alguns escolhem a luz para guiar o caminho, enquanto outros preferem rastejar-se por sombras. Inigualáveis criaturas que jamais se tornaram semelhantes enquanto metanarrativa. Ao planejar botes, desenhar a melhor estratégia, avançar por paralelos que levem em passo acelerado um caçador até a caça, a de se considerar o mínimo decoro. A escolha por estradas marginais pode significar o fio da navalha até mesmo para espécies hábeis em locomover-se em ambientes totalmente escuros e escorregadios, como bem fazem as ratazanas. A sensação de triunfo e glória nasce (i)restritamente de uma conduta pautada por honradez, nobreza, dignidade, decência e elegância. Tal desempenho não pode ser adquirido por meio de livros ou nos laboratórios das Faculdades. Trata-se de algo orgânico e inerente a determinados seres nascidos sob o decreto de caráter pessoal e original, seres com personalidade constituída. Leonor da Aquitânia foi Duquesa da Aquitânia e da Gasconha, Condessa de Poitiers e Rainha Consorte da França e Inglaterra. Viveu entre os anos de 1122 e 1204, mas, a cultura que ela ajudou a implantar instituiu alicerces de uma filosofia de vida que permanece até hoje. Ironicamente o conceito de “amor cortês” foi introduzido por Leonor nas cortes da Europa, por sua “ãturráge” (conjunto de pessoas que está habitualmente junto de outra, em especial no meio político; círculo). Conforme narrou Helena Vasconcelos, "durante os anos que permaneceu na Corte Francesa como Rainha Consorte, ela introduziu mudanças significativas promovendo o gosto pelo luxo e o culto do prazer. Desenvolveu a noção de “moda” impondo o seu gosto, quando no vestuário surgiram os decotes generosos, as “corsages” que realçavam as formas femininas em vez de ocultá-las, despindo os ombros e a parte superior dos seios". Uma figura de mulher que se destacou ao propor uma mudança radical das mentalidades e dos costumes. Por outro lado, os mesmos castelos que resguardavam tão gloriosas rainhas também abrigavam miseráveis ratazanas. Uma espécie pouco favorecida pela sorte, contudo capaz de penetrar em qualquer abertura. Aprendeu a viver próximo ao ser humano e a tirar proveito das mudanças realizadas no ambiente. Enquanto as rainhas desfrutam dos prazeres de uma mesa farta, à espreita ratazanas aguardam os restos e as migalhas que caem no chão. A natureza é sábia quando assegura: um dominado só se alimenta quando um dominante não está por perto. Atribuem a isto o fato de rainhas viverem décadas, enquanto pobres ratazanas duram no máximo cerca de dois anos. Em grandes cidades, podem viver em esgotos e dentro de casas. São descobertas porque deixam marcas pelo caminho, "linhas contínuas formadas entre suas pegadas ao arrastar sua cauda pelo chão." As ratazanas até servem como recicladoras de matéria orgânica, além de participar da cadeia alimentar de outros animais, mas, como sua população pode atingir altos níveis e trazer sérios riscos à saúde, torna-se necessária certa atenção sob sua proliferação. De fato, algumas criaturas nascem para servir-se do inédito, do extraordinário, enquanto outras comemoram as sobras e entulhos que conseguem juntar pelo caminho. E assim, o lixo descartado por umas se (re)constitui em luxo para outras.



Referências:
http://blogdaspragas.blogspot.com.br/
http://www.storm-magazine.com/arquivo/ArtigosDez_Jan/Artes/a_fev_marco2002_1a.htm

sexta-feira, 16 de março de 2012

Ao seu alcance


Imagem da lua que meus olhos alcançaram há dias atrás. Imediatamente me transportei para a década de 60 acompanhada por uma obra de classe: a canção Moon River na voz de Henry Mancini. Dancei de rostinho colado e depois rodopiei com o vento feito bailarina na ponta dos pés. Há melodias que nos conduzem com maestria para outras dimensões. Quase uma apologia à alienação, a tal ponto que futuro e passado acabam por se confluir em um só instante. 


  
Link Moon River:http://www.youtube.com/watch?v=5xGpam9_NpI&feature=fvwrel

Peculiar aos felinos




Gato é mesmo um bicho pra lá de irresistível simplesmente sem ter que fazer nada pra isso. Genuinamente elegante, sua carne peluda combina propositalmente com uma almofada de veludo bem macia, algo distante de um mero "tapetinho". Gostam de ser recebidos com muita pompa e circunstância, sua presença é sempre motivo de alegria, já que poucos são os eleitos para desfrutar de sua valiosa companhia. São eles que selecionam conforme sua preferência, com quem e onde se aninhar, e, nem adianta tentar forçá-los, “tinhosos” como poucos o seu desejo é que prevalece. Anunciam sua chegada com um olhar fulminante, o suficiente para garantir uma comunicação quase magnética. Com um andar malemolente e sem o mínimo pudor deslizam seu rabo pelas pernas do dono dando por certo, que terão seus desejos atendidos prontamente.  Maktub! São de pouquíssima ou quase nenhuma intimidade, seres completamente independentes, compactuam minimamente do comportamento canino de dependência afetiva. Esses peludos sedutores não mendigam afeto. E mais, recusam-se a serem contrariados e não fazem qualquer questão de esconder. Em razão de possuírem uma percepção altamente aguçada chegam a farejar más intenções. Blindado por seus mistérios é possível crer que os bichanos tenham outro sentido, uma percepção que nós, simples mortais, absolutamente não conseguimos alcançar. Ariscos que são dificilmente serão surpreendidos, afinal, gato que é gato não dá bobeira mesmo contando com mais seis vidas de lambuja. Está na hora de prestarmos mais atenção nesses bigodudos delicadamente atrevidos, sedutores e excessivamente charmosos, esses bichanos definitivamente fazem de seus senhores gato e  sapato.  

sábado, 10 de março de 2012

Um fruto




Disse o poeta Octávio Paz: “Sou a criatura do que vejo”.
O prazer em ser espectador do entardecer nos desperta poesia...
Não tens o fruto do cajueiro, o caju, a cor do pôr-do-sol?
Assim como nossos sentimentos cores que se misturam ao entardecer.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Um eco na história

A criação deste espaço coincidiu com uma data pra la de especial para nós, mulheres, o dia 08 de março. Fruto da luta de algumas corajosas representantes do sexo ‘frágil’ o dia internacional das mulheres clama um reconhecimento social e profissional, somados ao processo de construção de uma identidade feminina. Assim, não havia melhor pauta para inaugurar um ambiente destinado a debates e reflexões em torno dos aspectos relativos a esse universo.
No início do século XX nos Estados Unidos e na Europa, por motivos justos e urgentes algumas destemidas representantes do gênero iniciaram uma luta por condições dignas de trabalho e direitos sociais para as mulheres. A reivindicação era pelos primeiros direitos que a mulher acabou por conquistar, entre eles o direito à educação, profissão e ao voto. Deste modo, quando a indústria absorveu a mão de obra feminina em maior escala durante a Segunda Revolução Industrial, já na virada do século XX, as perigosas condições de trabalho motivaram protestos de operárias em diversas partes do mundo com evidência nos Estados Unidos, Alemanha, Áustria e na Rússia. Desde então, diversos episódios narram grandes embates sociais como reflexo de afrontas necessárias às conquistas que se sucederam. Chega parecer simpático um cartaz soviético que anunciava em 1932; “Diga NÃO à opressão e ao conformismo do trabalho doméstico!”.  

Dias atrás, ao organizar minha tímida biblioteca particular (re)encontrei um exemplar organizado em 1972, por Frei Urbano Plentz, o título imediatamente vibra curiosidade: Curso de Masculinidade e Feminilidade. Em certo capítulo, discute-se a trajetória da mulher na história da humanidade, e assim descobri o que ecoou nas palavras de Pitágoras a respeito das mulheres; “existe um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, a escuridão e a mulher”. Na civilização grega a mulher não era aceita na sociedade, coagida permanecia no gineceu (aposento destinado às mulheres com o propósito de segregá-las do convívio masculino na sua própria família). Avaliada pela Política de Aristóteles, a mulher era um ser inferior por não possuir o Logos, (parte racional da alma feminina). Já Santo Agostinho, expressando a ideia de sua época apresenta a mulher como escrava do homem: “Consta que a mulher está destinada a viver sob o império do homem e não pode ter sobre seu senhor nenhuma autoridade”. Na idade média, Santo Tomás retoma as ideias da filosofia grega: “A mulher é um homem diminuído. Não é a mãe que engendra aquele que chamamos o seu filho. Ela é apenas a nutriz do germe derramado em seu seio e quem engendra é o pai”.

Sob o olhar de Mary Douglas, havia uma relação entre a mulher e o maléfico, explicitado nitidamente por Kramer e Sprenger como algo próprio à cultura judaico-cristã, uma relação sobrenatural satânica por meio de cerimonias orgásticas (Sabbat) realizadas nas florestas a partir do século XV. Já nas primeiras décadas do século XX, nasce o movimento do feminismo. De 1939-1950 cria-se a “sociedade do consumo” e uma gigantesca propaganda é veiculada objetivando a “volta da mulher ao lar”. De 1950-1960 foi construída a imagem da mulher sexy com cabeça oca. As moças eram educadas para tornarem-se “caçadoras de homens”, foi quando uma revista de destaque na época direcionou uma propaganda para meninas de 10 anos: “Ela também pode torna-se caçadora de homens”. Já nas décadas de 1960-1970 a mulher não mais queria ser a boneca sexy, nem a mãe sacrificada e assexuada, foi quando descobriu que estava desesperadamente separada do homem. Em decorrência de tamanhas construções e (des)construções da imagem feminina, o homem dividiu a imagem da mulher em mãe assexuada (supermãe) e a prostituta, instrumento de prazer e especialista em todos os pecados da carne. De tal modo que optou por não se entregar a nenhuma delas, até porque se descobriu implacavelmente só.

Por fim, Frei Urbano finaliza sua obra ao citar a tese de Rose Marie Muraro; nossa sociedade é esquizofrênica e dividida entre “schizo”, que significa partir e “phrenos”, que significa alma, há divisão de classes e sexos, há sempre uma divisão entre “dominante e dominado”. O caminho para uma possível solução exige principalmente assumir a esquizofrenia, isso supõe uma conscientização da situação da mulher e um questionamento de si mesma. Depois vem a superação do dualismo na reunificação do homem com ele mesmo. Segundo Muraro, o ser andrógino é uma verdadeira resolução das neuroses e conflitos, principalmente a respeito de nossas percepções, sobre nosso corpo e o corpo do outro. A palavra androginia é de origem grega, composta dos termos: aner, andros homem e gune, gunaicos, mulher. O ser andrógino seria uma espécie de ser total na ideia do filósofo Platão, um ser que existiu no principio composto por duas cabeças, quatro braços e quatro pernas. Assim, eram considerados seres tão fortes que chegavam a constituir ameaça aos Deuses do Olimpo, e por isso Júpiter enciumado, resolveu o problema cortando-os ao meio. Dessa forma, passariam a eternidade tentando se juntar novamente e não mais atrapalhariam os Deuses.

E quanto à mulher de hoje? As que possuem o mesmo ethos político permanecem em busca da efetivação do reconhecimento social e profissional, uma contestação à hipocrisia que ainda nos cerca em uma redoma. Mudanças e uma longa caminhada nos aguardam no horizonte. Não se trata de uma guerra de gêneros, mas sim, do reconhecimento de um vácuo da participação feminina sub-representada politicamente nos canais de acesso ao poder. O escritor francês Laforgue disse na década de 70: “Até agora brincamos de bonecas com as mulheres; mas já faz tempo demais que isso dura. Moças, quando serão vocês nossas irmãs íntimas, sem segundas intenções de exploração? Quando nos daremos o verdadeiro aperto de mão”? Passadas quatro décadas de tal indagação, um cenário hipócrita ainda permite o mesmo questionamento: Moças, quando seremos nós irmãs íntimas de gênero, sem segundas intenções de exploração?